NOTA DE FALECIMENTO

“Não há obra que se erga sem que na argamassa esteja misturado o suor do pedreiro.”

Com grande pesar, o Sereníssimo Irmão Kamel Aref Saab, Grão-Mestre do GOSP, comunica o falecimento do Ir.’. Daury dos Santos Ximenes, ex-Grão Mestre do Grande Oriente de Pernambuco, ocorrido na noite do último sábado p.p., 21 de dezembro, vitima de problemas cardíacos.

O Irmão Daury Ximenes foi Grão Mestre do Grande Oriente de Pernambuco, e um imenso apoiador da nossa Desfederalização, estando presente na vitoriosa assembléia de 15/09.

O sepultamento ocorreu no Cemitério e Crematório Memorial Guararapes , em Jaboatão, dia 22/12, às 16:00h.

Que o GADU console sua Família.

http://gosp.org.br/nota-de-falecimento-11/

Origens Judaico-Cristãs da Francomaçonaria

O conceito de Ordem e a Franco-Maçonaria

Franco-maçons, gravura antiga
A Ordem é a forma abstrata com que os maçons denominamos a instituição franco-maçônica. Quando nos referimos à maçonaria, ou quando queremos mencionar a instituição da qual fazemos parte, dizemos simplesmente A Ordem. Mas, o que há por trás dessa palavra? O que é uma Ordem? Por que os franco-maçons utilizam este termo? O que significa e em que implica ser iniciado franco-maçom?

Começamos definindo o termo Ordem, “do latim ordo, classe, categoria, regra estabelecida pela natureza, também um dos sete sacramentos da Igreja, disposição das coisas de acordo com um método.”

Na história do Ocidente podemos achar este conceito de ordo utilizado em diferentes campos, desde o religioso e político até a arte e a arquitetura. Se analisarmos estas acepções, em todas encontramos relações com a franco-maçonaria. Uma Ordem pode ser definida como uma irmandade, sociedade ou associação de certas pessoas, unidas por Lei e Estatutos peculiares à sociedade, que persegue um objetivo ou desígnio comum e se distingue por seus costumes particulares, insígnias, divisas ou símbolos.

Albert Gallatin Mackey nos aporta uma segunda definição ao afirmar que “Em qualquer caso Ordem é um governo regular ou uma sociedade de pessoas dignificadas por marcas de honra e uma fraternidade religiosa”. De qualquer forma Ordem implica em uma regra e esta, por sua vez, impõe um pacto de adesão. Na franco-maçonaria este pacto está selado por um ato solene, denominado de iniciação. Assim podemos afirmar que a franco-maçonaria não é uma organização baseada simplesmente nesse pacto societário de adesão, mas constitui  uma forma de associativismo muito particular, posto que a maçonaria se vincula necessariamente, por definição, com uma tradição profissional anterior aos sócios que a compõem e a uma espécie de mandato constituinte tácito do qual não se pode separar sem perder seu próprio sentido e caráter iniciático.

O componente constitutivo está contido naquilo que os maçons denominam por tradição, junto com os rituais, os usos e costumes, bem como a linguagem simbólica, que outorga à franco-maçonaria sua particular metodologia distintiva. Este conjunto de regras e práticas é o que distingue a Ordem Maçônica de outras associações profissionais.

Se bem que não exista um desenvolvimento histórico preciso da Ordem, nem um critério unificado acerca de suas origens, é muito provável que tenha recebido, ao longo de sua história, a influência de outras ordens religiosas cristãs, das quais herdou certas características.

Interior da Abadia de Montecassino
Vamos concentrar nossa atenção na comunidade fundada por São Bento, a partir da regra criada para os monges do mosteiro de Montecassino, no século VI, que com o passar do tempo se converteu na poderosa Ordem Beneditina, com grande influência na franco-maçonaria.

As ordens monásticas surgidas na alta Idade Média se expandiram ao longo da Europa e não somente marcaram o rumo do primeiro milênio da cristandade, como monopolizaram em seus claustros a educação da elite intelectual e moral da civilização européia. Os homens que ingressavam nessas estruturas eram indivíduos capazes de sustentar um compromisso maior em contraposição àqueles que permaneciam no mundo profano ou no clero secular.

Do mesmo modo que estas ordens religiosas tinham um objeto e uma razão de ser que lhes eram próprios, a franco-maçonaria não pode ser entendida separada do iniciático nem do sistema simbólico-alegórico em que baseia a sua doutrina. Nem tampouco se pode compreendê-la se a separarmos do seu potencial transformador da sociedade, através da influência decisiva dos seus homens.

São Bento e monges, pintura antiga
Este potencial transformador da sociedade tem sido uma característica dos beneditinos, definidos, com justiça, como os monges que construíram a Europa.

Se nos perguntarmos quantos desses postulados e objetivos sustentados no passado pela franco-maçonaria são hoje patrimônio da humanidade e se pudéssemos imaginar o imenso número de vontades  concentradas no esforço para levá-los adiante, então não é difícil conceber um conceito de Ordem ideal muito além das múltiplas expressões do campo maçônico.

Construtores por definição, os franco-maçons crêem numa ordem social mais justa e num mundo fraterno. A busca dessa ordem é inerente à prática maçônica. Mas como assinala Jean Mourgues, “só escolhemos os construtores que sabem ficar acima das disputas das escolas. A perfeição da Ordem coletiva se baseia na qualidade dos homens que haverão de construí-la.”

Estamos nos aproximando do significado da palavra Ordem entre os maçons. Resta agora uma pergunta essencial e complexa: o que significa e em que implica ser recebido franco-maçon?

A Experiência Iniciática

Quando falamos de maçonaria falamos de Mistérios. Essa é a única definição possível que vai além de todos os livros e de todas as teorias, pois a essência do método maçônico parte de uma cerimônia iniciática, herdada das mais remotas Escolas de Mistérios da antiguidade.

Iniciação maçônica
Há nesta cerimônia um mistério ancestral e inescrutável, um labirinto complexo de símbolos, em cujo centro uma criatura desconhecida, imitador do minotauro, espera a chegada do intrépido viajante. Seu segredo se assemelha a um bloco de pedra, do qual não se pode imaginar a imensa base submersa nas profundezas da terra. Bordada pelos séculos, açoitada pelos ventos da história, escalada uma ou outra vez por homens valentes e incansáveis caçadores de grutas ocultas, a iniciação é tão antiga quanto o gênero humano. Mas permanece imune ao passar do tempo como o monólito de pedra que sonhou com a lua na mente de Arthur Clark em 2001, Uma Odisséia no Espaço.

Nos últimos anos, o Ocidente parece haver redescoberto a franco-maçonaria, considerando o número crescente de pessoas que se anima na exploração do iniciático sem uma idéia adequada do seu significado.

A história da franco-maçonaria é, em todo o caso, somente a sua marca visível, a consequência coletiva de milhões de processos individuais que levaram uma infinidade de indivíduos, provenientes das mais variadas culturas e nacionalidades, a se converterem em maçons, isto é, em iniciados. A soma das ações dos maçons sobre a sociedade a que pertencem conforma a verdadeira e real influência que a franco-maçonaria tem projetado sobre a ocorrência dos feitos históricos. Por isso, uma citação frequente que assinala que “a franco-maçonaria atua na sociedade através dos seus membros” se faz presente vez por outra em nosso discurso.

Oráculo de Delfos - "Conhece-te a ti mesmo
e conhecerás o Universo e os deuses."
Mas o fato de um maçom ou um conjunto de maçons haver deixado sua marca na história, confirma a existência de uma aventura espiritual na qual cada um desses indivíduos teve que – durante anos de trabalho, interpretação e esforço – cumprir a antiga premissa comum aos iniciados de todas as épocas; uma premissa que já se anunciava no pórtico do templo há mais de dois mil anos: “conhece-te a ti mesmo”. O processo iniciático é, portanto, a base do método maçônico. Um método que permanece desconhecido para aquele que não o tem vivido e nem alimentado.

Em uma época em que numerosas pessoas se afastam das grandes religiões e o conceito do sagrado se encontra seriamente desvalorizado, o esforço espiritual tem sido substituído por uma espécie de turismo da alma em que muitos acreditam que a simples leitura de um bom livro esotérico pode conduzi-los a uma repentina iniciação. Ninguém pode se autoiniciar; a experiência maçônica tem exigido sempre a interação com o outro, o vínculo permanente entre aprendizes, companheiros e mestres, e um tipo de atividade que se desenvolve na loja a que também se denomina oficina, devido à sua característica de local de trabalho.

A Loja Maçônica é o local de uma instrução sistemática e progressiva, mediante a compreensão e o diálogo com os símbolos. “Obra, loja e ferramenta," - disse Jean Mourgués - "o franco-maçom é capaz de cumprir com a sua tarefa quando, seguro de si mesmo, em plena posse de seus meios, ante os olhos e com o conselho dos membros da loja, assume um posto na ordem do trabalho". Esta característica não está distante do trabalho que se desenvolvia nas salas capitulares dos mosteiros, onde a comunidade de monges assistia a análise das escrituras, ao debate sobre as dúvidas e à resolução dos conflitos surgidos no seio da confraria.

Diferentemente de outros sistemas de aperfeiçoamento interior que favorecem o isolamento e a experiência mística, a franco-maçonaria impõe ao iniciado a responsabilidade social, buscando para ele um cenário propício ao desenvolvimento de suas capacidades e ao trabalho sobre si mesmo. Este cenário é a loja.

Desbastando a pedra bruta
Na metáfora maçônica, um recipiendário é como uma pedra bruta retirada da pedreira que, simbolicamente, representa o mundo profano. O recém-iniciado recebe então um conjunto de ferramentas, com as quais, sob a supervisão de seus mestres, deve transformar a pedra bruta em pedra cúbica, para poder integrar-se harmonicamente ao Templo, que os maçons erguem para a Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Assim, o simbolismo da pedra encontra-se presente, de distintas formas, ao longo de toda a experiência maçônica, em seus mais variados graus e ritos. Pois a história da franco-maçonaria, e todos os mitos tecidos em torno dela, parte do elemento mais sensível que se pode encontrar  na natureza: uma pedra sem forma e em estado bruto, chamada a participar da mais bela catedral, símbolo de uma sociedade mais humana e mais luminosa.

O trabalho sobre a pedra, a ação para torná-la quadrada, faz parte da longa herança beneditina sobre o simbolismo maçônico primitivo.

O Caminho da Transformação Interior

A experiência maçônica se assemelha a alguns contos jasídicos, ou a essas antigas parábolas de caminhantes em busca de um tesouro que escapa eternamente. Finalmente, o peregrino descobre que viajou dentro de sua natureza; que os calos que endureceram os seus pés suavizaram o seu coração; aquilo que acreditava que estava fora, estava ali mesmo, diante do espelho, o tempo todo; que apenas lhe faltara percorrer um pequeno espaço que nos separa desse eu interior, o nó misterioso onde a alma e o corpo se encontram sutilmente, para sentir a presença inconfundível, a ignorada presença de Deus.

A chave está no desenvolver a capacidade de entender o outro; não somente isto - servir ao outro, ajudá-lo a resolver o seu próprio vazio, a escutar o que ele tem a dizer. Em outras palavras, a chave está no desenvolver um verdadeiro amor fraternal.

Sobre essa base, e somente em uma segunda instância, o maçom pode aspirar a construir as bases éticas de uma nova sociedade e em última instância trasladar o essencial de sua aprendizagem ao mundo do qual proveio e ao qual irremediavelmente deverá retornar. Nas profundezas de todos os mitos, no final de todas as revelações, subjaz a necessidade de retornar ao mundo. Acaso não rouba Prometeu o fogo do Olimpo para entregá-lo ao homens? Acaso não saímos da caverna platônica para regressar e contar o que vimos? Não é por acaso o calvário da cruz o triunfo da misericórdia? Nada é igual depois da viagem, nem nós nem a nossa visão do mundo.

A Viagem Iniciática

A franco-maçonaria planeja para nós a viagem do homem, desde a escuridão do Ocidente até a luz do Oriente, lugar onde tem assento o Venerável Mestre, que preside a loja. Mais além se encontra o Oriente Eterno, o lugar para onde se dirigem os irmãos que partiram deste mundo.

Trata-se de uma viagem que começa nas entranhas da terra, a Câmara de Reflexões, alegoria arcaica da caverna convertida em útero. Um lugar onde o sol não pode penetrar, um lugar que prenuncia o nascimento de um sol interior. O Sol Negro dos alquimistas, o Sol Verdadeiro. Um lugar onde germina a vida; úmida, tépida, potente em sua natureza.

Alguns meditam ali sobre a natureza do tempo. Outros sobre a morte. Aqueles observam as caretas das caveiras outrora animadas por espíritos inquietos. Ou simplesmente descobrem a brevidade da vida na putrefação das sementes que foram esquecidas há muitos anos. Reina ali o Deus do Rigor, a quem os talmudistas elevam preces desesperadas implorando a chegada da Aurora, a chegada do Deus da Misericórdia. Reina ali a esfera de Saturno, o Senhor escuro do tempo, Pai de todo o Olimpo.

É também o lugar do prumo, de onde o candidato sairá pela mão do Irmão Experto que o conduzirá durante toda a iniciação. Antigamente, o experto era chamado de Irmão Terrível,  porque representava o grito parturiente da terra, a mãe que no momento de dar à luz intui a perda irreparável do ser que, a partir daquele momento, ser-lhe-á irremediavelmente separado. Na alegoria iniciática, quem passou pela cerimônia de iniciação nasceu novamente. Daí que desde épocas imemoriais os iniciados são conhecidos como aqueles que nasceram duas vezes.

Pois bem, desse ventre poderoso nasceram criaturas convocadas para mudar o mundo. A franco-maçonaria é  o navio mais formidável a sulcar os mares da modernidade. Como nas antigas expedições aos confins do mundo, navegam nele os sonhadores, os intrépidos, os fugitivos, os audazes, os iluminados, os proscritos; enfim os construtores de novos mundos, tão imperfeitos e maravilhosos como a própria humanidade.

Não se trata de uma viagem simples nem segura. Há uma alegoria adequada à viagem iniciática no Êxodo bíblico. Por detrás do relato se percebe um simbolismo tão forte, tão misterioso e tão profundamente maçônico que supera a questão meramente histórica e a conduz a um plano secundário.

Êxodo
Mito ou realidade, o relato planeja uma experiência iniciática. O povo hebreu é como o candidato a ser iniciado que, vivendo na escravidão do mundo profano (Egito), é conduzido por Moisés (sua própria consciência), através do deserto, até a Terra Prometida. O povo eleito, que em princípio se recusa a deixar o Egito, é o homem que teme essa morte iniciática que simboliza, na realidade, um novo nascimento. Assim, os hebreus dizem a Moisés: "Deixa-nos servir aos egípcios, pois é preferível permanecer escravos do que morrer no deserto”.

A imagem representa o homem que, vivendo na passividade da vida profana, teme as responsabilidades de um conhecimento que o libertará. Nas palavras de Annick de Souzenelle, “com profundidade existencial e em paradoxal oposição à busca ontológica a humanidade prefere a servidão à liberdade”

Na visão bíblica do Egito pode-se encontrar tudo aquilo que o aprendiz maçom deve deixar para trás quando ingressa na franco-maçonaria. No relato, muitos são os hebreus que formam colunas atrás de Moisés rumo ao deserto, mas são muito poucos os que na realidade o abandonam. A iniciação não exime o recipiendário da existência de forças que, com inércia, permanecem em nós durante a travessia e tentam nos fazer sair do caminho.

O incidente protagonizado pelos que sublevaram o povo de Israel em uma tentativa de regressar ao mundo da escravidão, juntamente com o evento da construção do Bezerro de Ouro são alegorias eloquentes. No simbolismo maçônico, a estrela de cinco pontas, o pentagrama, representa a imagem do homem governado por sua consciência, com os braços abertos em atitude fraterna e universal e com os pés sobre a terra, enquanto o bezerro tem sido representado pelo mesmo pentagrama, porém invertido. Neste caso, é a imagem do homem governado por seus instintos, carente de espiritualidade.

Todo o relato transcorre no deserto, que é o símbolo fundamental da epopéia. Nada mais apropriado para definir o processo iniciático; abandonamos o Egito, mas a Terra Prometida é só uma promessa. O povo eleito tem como guia uma coluna no horizonte, de fumaça de dia e de fogo de noite, mas ainda não vê a terra que mana leite e mel, prometida por Jeová a Abraão. O deserto é um mundo de incertezas e de esperanças, um forno que a tudo purifica; um útero que dará à luz um homem novo e converterá um povo desordenado em uma nação vitoriosa.

A Busca da Liberdade Como um Pilar do Processo Iniciático

O que é necessário para ser maçom? A resposta é mais simples que o mito construído em torno das condições do candidato. Deve ser um homem livre e de bons costumes. O que significa ser livre?

Seguramente esta frase foi cunhada há séculos, num tempo em que os escravos e os servos estavam naturalmente excluídos dos grêmios dos canteiros e pedreiros, antecessores da maçonaria moderna. Mas há algo mais em torno do conceito de liberdade. Qual é esta liberdade?

Iniciante maçom, alegoria antiga
A cerimônia de iniciação aporta indícios sobre esta questão. Ela nos expõe ante a visão da finitude da vida. Privam-nos da luz e somos despojados dos objetos metálicos, símbolos de uma segurança tão efêmera e ilusória como nossas pretensões de eternidade. Colocam-nos uma corda no pescoço. Apontam-nos uma espada afiada contra o nosso peito indefeso. Conduzem-nos por obstáculos que não poderíamos vencer sem ajuda. Fazem-nos participar dos ruídos e das misérias do mundo e escutamos o som de uma luta denodada de uma batalha sem sentido.

Em outras palavras, mostram-nos de maneira dramática o conjunto de medos, inseguranças, limites, paixões e erros, aos quais estivemos atados em nossa vida profana. E tudo isto de forma virtual, posto que ocorre em uma dimensão interior da qual devemos emergir finalmente para, como indica o ritual, voltar a realidade.

Presenciar os nossos limites não implica em superá-los automaticamente. Para isto é preciso um processo interior, árduo e extenso, que começa no exato momento em que somos recebidos como franco-maçons. A iniciação marca o começo de uma crise. Ante a evidência das nossas limitações e falta de liberdade, espera-se que reajamos com energia e trabalhemos para colocar a nossa personalidade sob o controle da vontade e da inteligência.

Eis aqui a condição heróica do homem e o sentido da cerimônia que a franco-maçonaria herdou dos antigos mistérios. Não obstante, trata-se de uma experiência que humaniza a alma pois, parafraseando Joseph Campbell, “nem sequer temos que percorrer só o caminho, já que os heróis de todos os tempos nos precederam. O labirinto é perfeitamente conhecido, só devemos seguir o fio do caminho do herói. E onde esperávamos encontrar algo abominável, encontraremos um Deus. E onde havíamos pensado matar o outro nos mataremos a nós mesmos. E onde acreditávamos que viajaríamos para fora, chegaremos ao centro de nossa própria existência. E onde esperávamos que estaríamos sós, estaremos com todo o mundo.”

Do mesmo modo que a iniciação coloca o homem ante a necessidade de uma profunda transformação, os símbolos e as ferramentas da franco-maçonaria o orientam para saber como concretizar a transformação. A seguir vamos abordar o significado desses símbolos e ferramentas.
      
O Poder do Símbolo

Se recorrermos a um dicionário descobriremos que um símbolo é uma figura ou objeto que tem um significado convencional. Mas esta definição nos parece incompleta. "O homem", destaca Carl G. Jung, "emprega a palavra falada ou escrita para expressar o significado do que deseja transmitir; sua linguagem está cheia de símbolos, mas também emprega com frequência sinais ou imagens que não são estritamente descritivos". Logotipos, emblemas, marcas de fábrica, iniciais de algumas organizações, adquirem um significado reconhecível de acordo com o uso comum. Mas Jung afirma que tais coisas não são símbolos; são sinais, e não fazem mais do que destacar os objetos a que estão vinculados.

Imagem metafórica do inconsciente coletivo
Uma imagem é simbólica quando representa algo mais do que o seu significado imediato e óbvio. O processo pelo qual o símbolo adquire carater universal está imerso no desenvolvimento da alma humana, que começa a ganhar um novo valor a partir do século XX, especialmente com o descobrimento do poder dos mitos e da teoria dos arquétipos de Jung. Assim, o símbolo se converte em uma espécie de conexão entre o homem e o princípio que aquele representa e do qual emana.

A instrução gradual do franco-maçom, a que temos feito referência, confirma um método de acesso a essa linguagem, mediante a iniciação e o posterior trabalho em loja. O símbolo, tal como o processo iniciatico, carece de coordenadas de espaço e tempo; pode localizar-se em qualquer época e em qualquer cultura; atua de maneira independente de qualquer forma de religiosidade e impacta a consciência com a força da experiência vital. A potência da linguagem simbólica  empregada pelos maçons reside justamente na capacidade que possui o drama iniciático,  que transcorre em um espaço virtual, para transmitir ao neófito o sentido mais profundo do símbolo e fazê-lo partícipe  dessa conexão.

Em seu tratado sobre A interpretação dos símbolos, Luis Galarza expressa que “o poder de persuasão do símbolo reside em que através da imagem se vivencia um sentido, se desperta uma experiência antropológica vital, em que se vê implicado o intérprete. No momento da interpretação, o sujeito deve aportar seu próprio imaginário que atua como meio no qual se desdobra o sentido, e deve atender às ressonâncias, aos ecos que nele se despertam, acontecem...”

A partir desta perspectiva, podemos assegurar que na maçonaria o êxito do iniciado não depende de outra coisa que não seja a sua capacidade de penetrar a natureza desses símbolos e apreender a nova linguagem (o símbolo) com a qual reinterpretará o mundo. E o que é mais importante: reinterpretará a si mesmo, convertendo-se em artífice do seu próprio templo espiritual e da sociedade que integra.

Estas breves definições permitem nos aproximarmos da compreensão da razão porque os símbolos e a maçonaria resultam inseparáveis. Não sabemos ao certo em que momento tomaram sentido os símbolos que integram a linguagem maçônica, mas é fácil encontrá-los na visão alegórica dos Pais da Igreja e particularmente nos escritos dos grandes exegetas beneditinos.

Símbolos maçônicos
A simbologia está integrada à arquitetura e à arte, mas também se percebe nas estruturas sociais e políticas, onde toma dimensão sociológica. Seria um erro circunscrever a ação do símbolo a um âmbito puramente esotérico, pois a história da franco-maçonaria demonstra com clareza que o símbolo pode converter-se em fator inspirador de mudanças sociais, induzir uma nova ordem moral, estabelecer normas de conduta e adquirir uma dimensão ética na vida republicana, na luta pelos direitos humanos e na construção de uma nova sociedade regenerada. Em síntese, emergindo do mistério e da experiência iniciática, o simbolismo maçônico alcança o seu destino na construção do progresso.

Os símbolos não exigem crenças particulares. São o resultado do progresso da consciência desde a escuridão pré-histórica da nossa espécie. Os símbolos, como nenhuma outra linguagem, colocam o homem diante de sua própria sombra, indicando-lhe o caminho da luz.

Nesta capacidade se baseia o conceito de fraternidade universal, comum a todas as correntes maçônicas, posto que nos leva a descobrir a natureza essencial de toda a humanidade, muito além de qualquer sectarismo. Não foi em vão que os regimes totalitários desenvolveram sua própria simbologia, explorando o lado escuro da natureza humana. Nem tampouco foi por acaso que encontramos símbolos maçônicos nos documentos fundamentais das democracias modernas.

O Templo Maçônico

Templo de Salomão
O templo maçônico, assim como a catedral medieval, é uma representação do universo. Por este motivo suas dimensões são traçadas do Oriente ao Ocidente, do Norte ao Sul e do Zênite ao Nadir. O céu está pintado como a abóbada celeste, escura no ocidente onde reinam a noite, a lua e as estrelas; e luminosa no oriente, com o sol resplandecente. Para os maçons este templo simboliza também o famoso Templo de Jerusalém, razão porque se diz que o Venerável Mestre de uma Loja se senta no Trono de Salomão.

Os Pilares do Templo

O pórtico se encontra franqueado por duas colunas, que rememoram as que estavam erguidas em Jerusalém. Cada uma delas levava inscrita uma letra misteriosa: B e J. Segundo a lenda, os aprendizes maçons que trabalhavam na construção do Templo de Salomão recebiam seu salário ao pé da coluna B, enquanto os companheiros maçons faziam o mesmo ao pé da coluna J. Ambas as colunas foram estabelecidas há quase três milênios  e ainda na atualidade os aprendizes e os companheiros formam fileira em cada uma delas.

Por volta do ano 586 a.C., os exércitos babilônios de Nabucodonosor invadiram e saquearam Jerusalém. A cidade foi destruída, o povo hebreu foi levado para a Babilônia e aquele templo, construído por Hiram Abif, foi arrasado pelas hordas vindas do norte.

Jeremias descreve com detalhe a destruição do templo, como foram quebradas as colunas “que estavam na casa de Deus” e como, cortadas em pedaços, junto às bases e o mar de bronze, foram levadas para a Babilônia para serem fundidas. No meio daquela desolação, seria impossível para Jeremias imaginar essas colunas quebradas se reproduzindo pelo planeta, transcendendo a Israel para se converter nos Pilares que milhões de maçons têm atravessado em sua experiência iniciática. Difícil também é imaginar os babilônios tratando de interpretar o significado daquelas colunas que nada sustentavam. Ainda hoje, vinte e cinco séculos depois, tampouco o entendem completamente os arqueólogos e os teólogos. André Parrót se pergunta uma outra vez: “que interpretação podemos dar a estas colunas?”

A resposta maçônica a este interrogante é tão sensível como inquietante. Essas colunas, que parecem não sustentar nada, simplesmente suportam o universo e cada vez que uma é quebrada ou abatida, a Ordem  submerge no Caos, o Universo desmorona no vazio e Deus sonha o seu sonho cósmico. Jorge Sanguineti, em seu ensaio sobre Os Pilares do Templo, pergunta: “mas estas colunas de Hiram, ao nada sustentar, provocam surpresa e reflexão; são homens? são ferozes guardiões do umbral? observam, vigiam, custodiam?”

Na linguagem alegórica que utilizam os maçons, afirma-se, quando uma loja se torna inativa, que abateu as colunas.

Nas antigas religiões solares, os sacerdotes esperavam a saída do sol entre as colunas. Assim era em Luxor, em Tebas, em Karnak, em Stonehenge, em Languedoc e na América Central. Sem colunas não há Ordem. Não podemos saber sequer onde está o Oriente, nem encontramos a entrada do Templo no Ocidente. Portanto, na franco-maçonaria, herdeira dos antigos mistérios, ambas as colunas encerram um mistério de magnitude.

Boreas, mit. grega
A coluna do norte leva em seu corpo a letra hebraica Beth. Com essa letra começa o Gênesis bíblico (bereshit: no princípio); sobre ela está edificada a Torá; sua forma é a de uma letra u inclinada para a direita, fechada por cima, por baixo e também por detrás; só se abre para a frente, como se estivesse indicando ao aprendiz o caminho a seguir. É equivalente à coluna do Rigor da Árvore da Vida dos cabalistas. Ali os raios do sol não chegam senão como um tênue reflexo, pois o aprendiz maçom não pode presenciar a luz do Oriente. No mundo dos mitos, o norte é a terra dos bárbaros, um mundo de tormentas e ventos ferozes, liberados por Boreas, filho de Titan, onde as forças permanecem instáveis, como o espírito dos aprendizes. Um mundo de forças instáveis que buscam a estabilidade. Há quem veja nas tormentas as forças cegas liberadas caoticamente, quando na realidade são tentativas violentas da natureza para estabelecer a ordem. Há muito de similar entre esse norte tormentoso e o que ocorre na alma do aprendiz maçom.

Se a coluna do norte é a do rigor e da aprendizagem, a do sul é a da misericórdia e da sabedoria. Leva em seu corpo a letra hebraica Iod, que é a inicial do nome do Deus bíblico. Na tradição testamentária, do sul provem o povo de Deus; do sul virá o Messias. O sul é o lugar do amor, da piedade e da sabedoria.

Desde a sua organização primitiva, a franco-maçonaria proclama os seus neófitos como aprendizes maçons entre estas duas colunas.

O Pavimento de Mosaico

O piso do templo maçônico é pavimentado por um mosaico preto e branco, que expressa a diversidade da maçonaria. O contraste corresponde ao nosso conceito de tolerância, integração e complementação. A borda deste pavimento central é estriada. Os quadros brancos se intercalam com outros pretos que representam a interação com o resto do universo.

Um documento maçônico expressa que “o pavimento de mosaico representa a fusão das raças, considerando a todos os homens como irmãos, proclamando a unidade da espécie humana, suscetível de aperfeiçoamento moral, seja qual for a raça a que pertença o indivíduo”. Eis aqui uma definição de ordem moral e filosófica.

Entretanto, podemos falar de outros significados com relação ao pavimento. Por sua semelhança com os tabuleiros de dama e xadrez, surgiram algumas interpretações relacionadas a esses jogos. Sabemos que esses jogos em suas origens foram mais do que simples exercícios lúdicos, pois destacam simbolicamente a sua capacidade para elaborar e resolver conflitos. A justaposição do branco e do preto sugere a luz e as trevas, o yin e o yang, o positivo e o negativo, bem como todos os pares de opostos ou complementares; pois o que é oposição em um nível se torna complementar em outro, de modo que o mesmo símbolo se faz aplicável em ambos os casos.

As Ferramentas do Maçom

No ritual maçônico do grau de aprendiz, o centro geográfico do templo reúne uma inusitada concentração de símbolos. Ali, sobre o pavimento de mosaico se colocam três colunas que representam as energias primordiais que governam a loja: a Sabedoria, a Força e a Beleza.

Na borda ocidental do pavimento se coloca uma pedra informe, tosca, da qual já falamos antes, a Pedra Bruta, junto a um maço e um cinzel, conjunto que, de alguma maneira, representa o momento particular que vive o homem na noite de sua iniciação. Momento que tem a ver com o começo de uma transformação, uma metamorfose que o levará a uma nova dimensão da vida e a uma nova valorização de si mesmo.

Estes elementos se reservam para o ato final da cerimônia. Quando o recipiendário toma em suas mãos as ferramentas e já tendo sido iniciado, é então conduzido até ficar diante dessa pedra que o representa. Há uma infinidade de razões pelas quais os maçons escolheram a pedra como símbolo. Em pedra e em um só bloco foram construídos os altares. Em pedra foram erguidos os santuários e as catedrais. A pedra representa uma ponte que nos comunica com a imortalidade, um elo que une o sagrado e o profano.

Em hebraico pedra é eben, vocábulo que em si mesmo é a união de outros dois, Pai = Ab e Filho = Ben. As mesmas letras que encontramos em nabi, que significa profeta, aquele que vê o que os outros não vêem, aquele que interpreta a lei, que foi escrita em pedra.

Sobre uma pedra fundou Jesus de Nazaré a sua Igreja; sobre uma pedra foi construído o Templo de Salomão. De uma pedra sacou Artur a sua gloriosa espada. É muito curioso o fato de que em hebraico e em latim pedra e pai tenham a mesma raiz, Pater – Petra e Ab – Eben. Quando trabalhamos a pedra roubamos algo da sua imortalidade. Para os alquimistas, aquele que conseguia a pedra perfeita alcançava o grande mistério da Pedra Filosofal. É impossível não ver a enorme tradição em torno do valor da pedra.

Jung relata que quando era pequeno, no jardim de sua casa havia uma pedra enorme. Ele costumava sentar-se sobre a pedra tentando sentir como ela sentia. Ao longo dos anos o jogo se converteu em uma experiência transcendente em que ele e a pedra se transformavam em uma só coisa. Esse experimento influiu no seu futuro e o predispôs ao que depois conformaria a sua investigação acerca do inconsciente.

Todas as ferramentas do maçom estão vinculadas ao trabalho sobre a sua própria pedra. O maço que representa a sua vontade, o cinzel que simboliza a sua inteligência; esquadro, nível e prumo que lhe permitiram medir ângulos retos; uma régua para dividir as horas do trabalho, o descanso e a meditação; uma trolha para ajudar a encobrir com argamassa a rugosidade e a imperfeição dos seus irmãos; e um avental, símbolo supremo do seu trabalho, cujo caráter alegórico foi instaurado pelos Grandes Mestres Construtores da Ordem Beneditina nos alvores da primeiras lojas operativas medievais.



Janeiro de 2009